quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Um Dia de Finados

Hoje, no Brasil, é Dia de Finados. Geralmente, um dia nublado, com chuva, triste. Essas são minhas lembranças desse dia durante minha infância. Aliás, nunca esqueço de uma tarde do Dia de Finados em que eu estava dentro de casa, olhando o varal lá fora, e via as gotinhas de chuva se formando na corda de aço, uma a uma, caindo para que logo depois se formasse outra, como se fossem gotas de orvalho. O local onde minha avó pendurava as roupas um dia foi também minha distração para esquecer que aquele era o dia de quem já havia morrido.

Acabo de completar 40 anos. É incrível como essa maturidade nos faz ter um outro olhar sobre as coisas. Hoje, do nada, resolvi pensar do Dia de Finados de maneira diferente. Ao invés de colocar fotos dos meus queridos que se foram (Tia Maria e meu avô Altair) na estante, eu resolvi cozinhar. Sim, eu detesto cozinhar, mas fiz este sacrifício por eles. 

E por que eu resolvi fazer um almoço? Porque hoje achei que este não deve ser um dia para chorar, mas sim para celebrar aqueles que já se foram. Lembrar da diferença que fizeram na vida da gente e, muitas vezes, em sua contribuição para que sejamos o que nos tornamos hoje. 

E foi com meu filho que me sentei à mesa, com a tolha de mesa mais bonita que tenho. Antes de comermos, eu o chamei para fazer uma prece, do jeito que ele sabe, em honra àqueles que já se foram. Não foi algo triste, mas sim um momento de respeito e reverência.

Lembrei da vó Xica, do vô Toia, do vô Joaquim e da vó Isaura. Sem eles, eu não teria meu mais precioso tesouro nessa vida, meu filho. A morte também pode dar lugar à vida.

Mais tarde, vou acender uma vela no meu cantinho sagrado, que muitas de nós, bruxas, também chamamos de altar. Para que essa chama continue iluminando o caminho dos meus mortos e também a minha vida e a dos que me acompanham nela. 

Hoje, Dia de Finados, prefiro celebrar a alegria de já terem feito parte da minha vida a chorar pela falta que me fazem.

A morte já não é um tabu para mim. Já sei que quero doar meus órgãos, ser cremada e que toque "The Mountain", da PJ Harvey, nessa celebração final. Como li num artigo esses dias, quero manter minhas coisas organizadas para quando eu me for. Se tiver de doar algum objeto, melhor doá-lo em vida do que deixar as pessoas tentando adivinhar o que eu queria fazer com ele. Porque às vezes a morte não dá sinais de que está chegando. Até para isso precisamos estar preparados.

É engraçado pensar que esta é nossa única certeza e, mesmo assim, preferimos ignorá-la. Comemoremos então esse dia certeiro que vem pela frente, lembrando os mortos, sim, mas de um jeito novo, sem chorar por eles. 

2 comentários:

Plastic injection molding disse...

Até para isso precisamos estar preparados.

Jotha Santos disse...

"Se tiver de doar algum objeto, melhor doá-lo em vida..." Essa parte me interessa muito! O que tem aí pra doar já!?

Brincadeira... gostei do texto... eu nunca havia refletido sobre os mortos dessa maneira!

Mas fica viva mais tempo pra contribuir para o nosso crescimento!

Te cuida!!